A caminho do trabalho, você passa por um pequeno lago. Em dias quentes, crianças às vezes brincam ali, pois a água não passa dos joelhos. Mas hoje o clima está fresco e ainda é cedo, então você se surpreende ao ver uma criança brincando na água. Quando se aproxima, percebe que é uma criança bem pequena, provavelmente um bebê, se debatendo, incapaz de se manter de pé ou sair do lago sozinha. Você olha ao redor, procurando os pais ou algum responsável, mas não há ninguém por perto. A criança não consegue manter a cabeça fora d’água por mais de alguns segundos. Se você não entrar na água para tirá-la, é provável que ela se afogue. Entrar é fácil e seguro, mas você vai estragar os sapatos novos que comprou há poucos dias, e sujar seu terno com lama e água. Quando entregar a criança a alguém responsável e trocar de roupa, você já estará atrasado para o trabalho. O que você deve fazer?
Eu ensino uma disciplina chamada Ética Prática. Quando começamos a falar sobre pobreza global, pergunto aos meus alunos o que acham que uma pessoa deveria fazer nessa situação. Previsivelmente, eles respondem que devemos salvar a criança. “E os sapatos? E o atraso no trabalho?”, eu pergunto. Eles descartam isso. Como alguém pode considerar um par de sapatos ou algumas horas de atraso como justificativas para não salvar a vida de uma criança?
Contei essa história do afogamento em um dos meus primeiros artigos, “Fome, Abundância e Moralidade”, publicado em 1972 e ainda muito utilizado em cursos de ética. Em 2011, algo parecido aconteceu na cidade de Foshan, no sul da China. Uma menina de dois anos chamada Wang Yue se afastou da mãe e entrou em uma rua estreita, onde foi atropelada por uma van que não parou. Uma câmera de segurança gravou o incidente. Mas o mais chocante foi o que aconteceu depois: enquanto Wang Yue sangrava no chão, dezoito pessoas passaram a pé ou de bicicleta e não pararam para ajudar. Na maioria dos casos, a câmera mostra claramente que viram a criança, mas desviaram o olhar e continuaram andando. Uma segunda van passou por cima da perna dela antes que um gari desse o alarme. Wang Yue foi levada ao hospital, mas infelizmente era tarde demais. Ela morreu.
Se você for como a maioria das pessoas, provavelmente está pensando: “Eu não teria ignorado aquela criança. Eu teria ajudado.” Talvez você realmente teria. Mas lembre-se que, como já vimos, 5,4 milhões de crianças com menos de cinco anos morreram em 2017, a maioria por causas que poderiam ser evitadas ou tratadas. Veja este caso contado por um homem em Gana a um pesquisador do Banco Mundial:
“Veja a morte desse menino esta manhã, por exemplo. Ele morreu de sarampo. Sabemos que poderia ter sido tratado no hospital. Mas os pais não tinham dinheiro e, por isso, o menino morreu lentamente e com dor. Ele não morreu de sarampo, morreu de pobreza.”
Pense em situações assim acontecendo centenas de vezes por dia. Algumas crianças morrem porque não têm o que comer. Outras morrem de sarampo, malária e diarreia — doenças que não existem nos países desenvolvidos ou, quando existem, raramente causam mortes. Essas crianças estão vulneráveis porque não têm água potável nem saneamento básico. E quando adoecem, seus pais não têm condições de pagar tratamento ou nem sabem que é necessário procurar ajuda médica. Organizações como a Oxfam, a Against Malaria Foundation, a Evidence Action e muitas outras estão trabalhando para reduzir a pobreza, distribuir mosquiteiros e fornecer água potável. Essas iniciativas estão diminuindo o número de mortes. Se essas organizações tivessem mais recursos, poderiam fazer ainda mais e salvar mais vidas.
Agora pense na sua própria situação. Com uma quantia relativamente pequena, você poderia salvar a vida de uma criança. Pode ser que seja um pouco mais caro que um par de sapatos, mas todos nós gastamos com coisas que não são essenciais — bebidas, jantares, roupas, cinema, shows, férias, carros novos ou reformas. É possível que, ao escolher gastar seu dinheiro nessas coisas em vez de contribuir para uma instituição de caridade eficaz, você esteja, na prática, deixando uma criança morrer — uma criança que você poderia ter salvado?
Capítulo 2: Está Errado Não Ajudar?
Bob está perto da aposentadoria. Ele investiu a maior parte de suas economias em um carro antigo muito raro e valioso, um Bugatti, que ele não conseguiu segurar. O Bugatti é seu orgulho e alegria. Bob não apenas sente prazer em dirigir e cuidar do carro, como também sabe que o aumento do valor de mercado significa que ele poderá vendê-lo e viver confortavelmente após se aposentar.
Um dia, enquanto dirigia, Bob estaciona o Bugatti perto do fim de um ramal ferroviário e vai caminhar pelos trilhos. Ao fazer isso, ele vê um trem desgovernado, sem ninguém a bordo, descendo pelos trilhos. Olhando mais à frente, ele vê a figura pequena de uma criança que parece estar brincando nos trilhos, alheia ao trem que se aproxima. A criança está em grande perigo. Bob não pode parar o trem, e a criança está longe demais para ouvir seu grito de alerta, mas Bob pode acionar um desvio que redirecionará o trem para o ramal onde seu Bugatti está estacionado. Se ele fizer isso, ninguém morrerá, mas o trem atravessará a barreira enfraquecida no final do ramal e destruirá o Bugatti.
Pensando na alegria de possuir o carro e na segurança financeira que ele representa, Bob decide não acionar o desvio.
O Carro ou a Criança?
O filósofo Peter Unger desenvolveu essa variação da história da criança que se afoga para nos desafiar a refletir sobre o quanto acreditamos que devemos sacrificar para salvar a vida de uma criança. A história de Unger acrescenta um fator frequentemente crucial em nosso pensamento sobre a pobreza real: a incerteza sobre o resultado de nosso sacrifício. Bob não pode ter certeza de que a criança morrerá se ele não fizer nada e salvar o carro. Talvez, no último momento, a criança ouça o trem e pule para um local seguro. Da mesma forma, muitos de nós podem duvidar se o dinheiro que doamos a uma instituição de caridade realmente ajuda as pessoas que precisa ajudar.
Na minha experiência, as pessoas quase sempre dizem que Bob agiu mal ao não acionar o desvio e destruir sua posse mais preciosa, sacrificando sua esperança de uma aposentadoria financeiramente segura. Não se pode correr um risco sério com a vida de uma criança apenas para salvar um carro, por mais raro e valioso que ele seja. Por implicação, também devemos acreditar que, ao economizar para a aposentadoria, estamos agindo tão mal quanto Bob. Pois ao guardar dinheiro para o futuro, estamos efetivamente recusando usá-lo para ajudar a salvar vidas. Essa é uma implicação difícil de enfrentar. Como pode ser errado economizar para uma aposentadoria confortável?
Outro exemplo criado por Unger testa o nível de sacrifício que achamos que as pessoas devem fazer para aliviar o sofrimento quando uma vida não está em jogo:
Você está dirigindo seu sedã antigo por uma estrada rural quando é parado por um caminhante que machucou seriamente a perna. Ele pede que você o leve ao hospital mais próximo. Se você recusar, é bem provável que ele perca a perna. Por outro lado, se concordar em levá-lo ao hospital, ele provavelmente sangrará nos bancos, que você restaurou recentemente e com alto custo com couro branco macio.
Mais uma vez, a maioria das pessoas responde que você deve levar o caminhante ao hospital. Isso sugere que, quando pensamos em termos concretos, sobre indivíduos reais, a maioria de nós considera obrigatório aliviar o sofrimento sério de pessoas inocentes, mesmo a um custo significativo para nós mesmos.
O Argumento Básico
Os exemplos acima revelam nossa crença intuitiva de que devemos ajudar os necessitados, pelo menos quando podemos vê-los e quando somos a única pessoa em posição de salvá-los. Mas nossas intuições morais nem sempre são confiáveis, como vemos nas variações do que as pessoas em diferentes épocas e lugares consideram aceitável ou inaceitável. O caso para ajudar os que vivem na pobreza extrema será mais forte se não depender apenas de nossas intuições. Aqui está um argumento lógico baseado em premissas plausíveis que chega à mesma conclusão.
Primeira premissa: Sofrimento e morte por falta de comida, abrigo e cuidados médicos são coisas ruins.